por DÉBORA BATISTELLA GOMES DAS NOVAS e DOUGLAS HENRIQUE COSTA

A recuperação judicial do empresário e sociedade empresária, que se encontra regulamentada pela Lei nº 11.101/05, tem por finalidade oferecer condições para a superação de crise econômica e financeira, pautada nos princípios da preservação da empresa e sua função social, notadamente a geração de empregos, arrecadação de tributos e movimentação da economia, conforme prevê o artigo 47 da referida Lei.

Nesse contexto, considerando que a atividade rural representa expressiva parcela da economia brasileira, com alcance nos mais diversificados setores, justifica-se a relevância da temática que envolve a possibilidade da recuperação judicial do produtor rural, o que tem ensejado diversas discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema.

Para que se compreenda a recuperação judicial do produtor rural, necessário analisar as disposições constantes no artigo 971 do Código Civil, que faculta ao produtor rural empresário proceder ao registro perante a Junta Comercial, juntamente com a análise da Lei nº 11.101/05, que autoriza o pedido da recuperação judicial pelo devedor que seja empresário e/ou sociedade empresária, e ainda, que exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos, em conformidade com os artigos 1º e 48 da referida Lei, que sofreu alteração em seu texto, pela inserção do § 2º admitindo a comprovação do biênio por meio da Declaração de Informações Econômica-Fiscais da Pessoa Jurídica.

A jurisprudência dos Tribunais de Justiça Estaduais é pacífica quanto à possibilidade da recuperação judicial do produtor rural que possua registro na Junta Comercial, observado as demais exigências legais, no que tange a necessária demonstração contábil relativa aos 3 (três) últimos exercícios sociais (BP, DRE e DLPA), dentre outros previstos no artigo 51 da Lei de Recuperação Judicial.

A problemática surge quanto ao início da contagem do prazo de dois anos exigido pela citada Lei, considerada a faculdade conferida ao empresário rural de proceder ao registro na Junta Comercial a qualquer momento, causando assim certa polêmica sobre o tema, notadamente naqueles casos em que o produtor rural exerce atividade regular há mais de dois anos, porém com tempo de registro inferior ao biênio.

A jurisprudência vinha se dividindo a respeito, o que ensejou duas linhas interpretativas. A primeira prevê que o registro do produtor rural tem natureza declaratória, reconhecendo que a formalização do registro apenas declara uma situação preexistente de uma atividade rural explorada há tempos de forma regular. A segunda vertente reconhece a natureza constitutiva do registro, ou seja, considera sua condição de empresário somente a partir da data do deferimento do registro na Junta Comercial.

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça (RESP n.º 1811953-MT) se posicionou a respeito da controvérsia, oportunidade em que, por maioria dos votos adotou a primeira vertente interpretativa, expondo que “(…) perfilha-se o entendimento de que, também no caso de empresário rural a inscrição assume natureza meramente declaratória, a autorizar, tecnicamente, a produção de efeitos retroativos (ex tunc) (…). A finalidade do registro para o empresário rural, difere, claramente, daquela emanada da inscrição para o empresário comum. Para o empresário comum, a inscrição em Registro Público de Empresas Mercantis, que tem condão de declarar a qualidade jurídica de empresário, apresenta-se obrigatório e se destina a conferir status de regularidade. De modo diverso, para o empresário rural, a inscrição, que também se reveste de natureza declaratória, constitui mera faculdade e tem por escopo precípuo submeter o empresário, segundo sua vontade, ao regime jurídico empresarial (…)”.

Assim, o empreendedor rural que explora sua atividade de maneira regular, independente do tempo de registro na Junta Comercial, merece o abrigo do regime da Lei de Recuperação Judicial e os benefícios trazidos pela mesma, em observância ao princípio da preservação da atividade empresarial.